
Meu avô era um homem rural, em um tempo bem distante. Seu dia a dia era voltado para as coisas do campo. Raramente ia à cidade. Ele foi pai de muita gente. Pai dos que ele gerou e pai também de muita gente que ele criou, como se dizia naquelas épocas em que um casal resolvia adotar uma criança. Passava de uma dezena a quantidade de filhos de meu avô. Ele, porém, não ficava muito satisfeito quando nasciam as meninas. Aumentavam-lhe o trabalho e como consequência ser-lhe-ia diminuída a mão de obra. No entanto, depois que elas nasciam, o pai dedicava-lhes amor sem medidas. Os melhores bezerros eram para elas. Colocava nomes específicos nas garrotas, pois as meninas tinham preferências em ganhar fêmeas a fim de que fosse-lhes aumentado o dote. Na volta da cidade, sempre lhes trazia um mimo: tecido, sabonetes, talco, chinelos, pentes… qualquer coisa que alegrasse suas criaturinhas. Eram seis meninas. Como todo pai que ama seus filhos, meu avô não queria que nenhuma delas sofresse. Não sabia ele que o futuro prega peças. Ao completar quatorze anos, uma de suas meninas falecera repentinamente. Luto absoluto fora instaurado na casa. Durante meses, nenhum pio era ouvido; até os animais silenciaram por um bom tempo. Mas ninguém consegue viver um luto indefinidamente. É preciso reagir. Nesse ínterim, duas mocinhas da casa se enamoraram dos vizinhos que moravam em uma fazenda próxima. Era preciso casá-las. No interior, zona rural, moça não pode passar dos vinte anos para casar. Os pretendentes rareiam. Casaram. Setenta anos depois, três das meninas são vistas lutando contra a velhice. Luta essa que ninguém ganha. A mais velha delas, professora aposentada, nunca equilibrou suas contas. Está sempre com pendências. “Tadinha!” A segunda casou-se com um parente e estão a somar idades e quase festejar centenários. Não sei como eles conseguem administrar tantas limitações. E a caçula delas habita um mundo imaginário cheio de pretendentes que não lhes deixam perceber o correr do tempo. Uma eterna adolescente! Meu avô, assim como todas as pessoas que têm filho, esquecem e/ou não se dão conta do quão é difícil para cada um trilhar essa jornada chamada Vida. Bom mesmo é que Meu Avô partiu cedo sem ter que presenciar o desenrolar de cada uma das vidas que ele gerou. Sei que é impossível, mas se ele ainda estivesse aqui, veria que, infelizmente, não podemos proteger da dor aqueles a quem amamos. A vida traça os roteiros. Meu Avô, suas meninas, eu, você(leitor) e todos os que estão por aqui somos personagens de um enredo bem maior que só mesmo vivendo para conhecer a história. O tempo não para. Avante!